Quando comecei atender a clínica infantil eu não imaginava o Prazer e o desafio que seria atender os pequenos, mas tenho em mim que a maior descoberta se deu ao perceber que não é possível trabalhar com a criança sem atender sua família, seus pais, responsáveis, seus primeiros amores.
A criança vem a clínica carregando um emaranhado de histórias, às vezes explícitas às vezes ocultas que podem criar obstáculos para a constituição da sua subjetividade, e se tornam muitas vezes hospedeiro de uma história que não lhe pertence. Isso ocorre porque lá atrás não foi possível a elaboração de tais questões por seus membros, e isso é mais comum do que podemos imaginar, pois toda família possui suas particularidades, estabelecidas a partir de padrões de organização, que definem papéis e regras, os quais os membros utilizam como referência para se relacionar entre si. Esses modos de organização interna derivam das experiências internalizadas dos pais em suas famílias de origem, da organização atual da sociedade e tudo isso combina para a organização da criança. Foi assim com nossos avós e pais.
Entendo que o atendimento infantil é uma oportunidade para efetivação de mudanças e transformações criativas pela geração mais jovem. Freud (1913/2013) cita o verso de Fausto, de autoria de Goethe: "aquilo que herdaste de teus pais, conquista-o para fazê-lo teu". Essa menção sintetiza o efeito da possibilidade de pensar e simbolizar uma herança, transformando-a em algo que é próprio ao herdeiro. Uma vez que a transmissão psíquica transgeracional pode ser lugar tanto de produção e/ou perpetuação de psicopatologias como de possibilidade de sua ultrapassagem rumo a uma vida individual e familiar mais plena e com menos bloqueios.
Ouvindo a criança eu aprendi que se pode curar uma família.
Jessìca Míra
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